existe sempre alguém ...passo e fico como o universo...
13
Dez 07
publicado por alemvirtual, às 08:38link do post | comentar | ver comentários (5)

 

Era uma flor. Tinha nascido num campo que não sabia onde ficava. Era imenso, coberto de outras flores de cores intensas, garridas, perfumadas. Havia rosas e cravos, orquídeas e malmequeres e muitas, muitas outras flores desconhecidas que admirava secretamente. Havia flores com pétalas de todas as formas. Algumas exalavam aromas intensos e exóticos, cativando quem passava.

 

Ela não se via, não sabia que flor era. Debruçava-se, curvando-se sobre si mesma, num esforço em busca de um reflexo. Mas abaixo dos seus olhos, via apenas a terra seca. Onde estava a sua imagem?

 

Não sabia como tinha nascido ali. Não sabia porque tinha nascido naquele campo. Gostava de imaginar-se, ainda pequena semente, enrolada nas asas do vento ou  transportada no bico frágil de uma ave. Por isso, olhava o céu e observava o vaivém das gaivotas e julgava perceber em si vestígios de uma existência ligada ao mar profundo...talvez o agitar das suas folhas verdes, fosse uma recordação do marulhar das ondas ou talvez o remoínho do vento agreste.

 

Sabia apenas que estava ali, por isso, fosse qual fosse a razão da sua presença, deveria ser uma razão especial.

Alguém tinha que saber. E perguntou a todas as flores. Quando a sua vozita se perfeu nos confins do prado, agarrou nas poucas pétalas e partiu.

Subiu às montanhas e viu as flores das escarpas. Sentiu o frio da rocha e o seu toque áspero e cortante. E viu que não era uma flor das montanhas escarpadas.

Caminhou nas vastas planícies e não gostou da monotonia da paisagem. Conversou com os malmequeres e não se reconheceu na igualdade das suas coroas.

Ergueu-se, o mais que pode, e falou com as giestas.

Ao entardecer entrava sorrateiramente nos jardim bem tratados e escolhia um canteiro ansiando a alvorada. Ensaiava o seu melhor sorriso e aguardava... A seiva corria mais depressa e a cor intensificava-se. Pelo menos, assim pensava ela que não sabia qual era a sua cor.  Às vezes era arrancada violentamente pelas mãos rudes do  jardineiro que a olhava como se de uma erva daninha se tratasse. Nessas alturas, a flor chorava e fugia por caminhos solitários.

 

Talvez mais à frente...talvez mais longe...

 

Andou por serranias e por vales profundos. Subia e descia. Já quase não tinha raízes. Tinha gasto as finas correntes que a prendiam à terra dura, nos camihos percorridos. Aquelas pequenas raízes eram como âncoras na areia. E este pensamento fê-la de novo pensar no mar.

 

O mar... e suspirou.

 

Talvez não seja uma flor da terra - pensou. Talvez seja uma flor do mar.

E agarrando na última pétala, caída, correu até ao topo da falésia. O mar bramia e libertava, muito acima das ondas, o seu perfume salgado. Era como um véu ou uma cortina ténue, cobrindo o berço de um bebé.

O mar sussurrava uma canção de embalar...

A flor fechou os seus olhitos, esboçou um sorriso infantil e lançou-se no vazio.

 

Dizem que uma gaivota pairou no ar e viu a flor descrevendo círculos suaves, mergulhando em direcção ao mar...

 

 


03
Dez 07
publicado por alemvirtual, às 06:14link do post | comentar | ver comentários (8)

Há uns anos atrás, não muitos, escrevia discursos. Sim, a propósito desta ou daquela cerimónia ou de outra qualquer situação que requeresse as "tradicionais palavrinhas". Escrevia cartas formais e ofícios com o mesmo entuiasmo com que escreveria um belo romance. As funções eram outras e eu era a Paula "das flores" - como dizia o meu grupo de trabalho. Queria isso dizer que fugia da frieza e objectividade das comunicações oficiais com que quase sempre se reveste a linguagem formal (oral e escrita).

A minha filha era a minha crítica. Sempre que podia, perguntava-lhe a opinião. Lia-lhe. Ela escutava, criticava e analisava. Eram pequenos pormenores de uma grande cumplicidade que existia entre nós.

 

Comecei a correr há pouco mais de um ano. Passei a tentar relatar essas experiências.

A sua situação de saúde agravou-se e com ela o terreno das "flores" foi-se tornando estéril. Já não floresciam as urzes audazes dos montes, nem os malmequeres simples nas encostas, nem as papoilas escarlates nas veredas. Ainda assim, ela deliciava-se com as narrativas das minhas corridas.

A mãe, à qual associava em outros tempos os saltos finos e altos, era agora vista com uns ténis e uma cor avermelhada nas faces, esbaforida por ter ido correr. Criei uma imagem diferente. Mas ela, adorava igualmente essa mãe e a mãe adorava cada vez mais essa filha. Dia-a-dia a sua coragem de viver, de lutar contra a doença sem um queixume, pensando sempre nos outros, construíndo sonhos para o seu futuro mais próximo e mais longínquo tornou-se quase insustentável para nós que com ela convivíamos e a amávamos, por não nos sentirmos à altura deste ser verdadeiramente excepcional.

Por isso, todos os gestos simples que possamos fazer, os fazemos em sua memória. Por mais complicada ou desgastante que possa ser a situação, o esforço será sempre um grão de areia perante a grandiosidade do que foi a sua vida e daquilo que merecia. Ainda que lhe pudesse oferecer o Céu e a Terra seriam presentes pobres.

 

Ontem, ofereci-lhe a corrida em que participei. Hesitei em ir por várias razões. Duvidei de mim e dos motivos que me levaram a correr. Era por ela, mas tive medo que fosse também por mim. Deveria ser apenas por ela. Eu deveria ser as suas pernas, novamente funcionais e os seus olhos novamente a verem.

Antes do tiro de partida, beijei a sua estrelinha azul (que trago sempre ao peito) e segredei-lhe:"Filhota, corre comigo".

Quase a podia ver a correr ao meu lado, outras vezes adiantando-se rodopiava brincando à minha frente...Saltitava como uma menina (que é), deslizava como um anjo que fosse, desvanecia-se a meus olhos como o nevoeiro difuso sobre o último braço de rio, para deixar ver, de novo, os seus contornos, por entre a proa dos navios atracados. Ela correu nas asas de uma gaivota, nos raios de sol que brilhavam e nas folhas amareladas que caíam...

Ela correu comigo e eu corri por ela. Restituí-lhe os movimentos e descortinei por ela, a beleza desta velha cidade com cheiro a sal e a mar.

 

Há ajudas preciosas e eu tive a sorte de ter uma amiga ao lado. Quem nos visse, de camisolas iguais, pensaria sermos irmãs. O meu mundo interior era um turbilhão, mas apenas deixava escapar gracejos e risos. Estas máscaras são conhecidas, não é? E eu começo a ser mestre na sua arte.

 

Foi uma prova linda, bem organizada que eu gostaria de descrever ao pormenor, fazendo jus a tudo quanto de positivo aonteceu (e deve ter sido tudo). Não o faço. Outro, alguém de entre aquela imensa massa humana, registará fielmente a XXII Maratona de Portugal.

Para mim foi a I Meia Maratona e corri os 21Km e 95m em memória da minha filha Margaret.

É a ela que vou entregar a minha medalha.


02
Dez 07
publicado por alemvirtual, às 18:36link do post | comentar | ver comentários (4)

Por ti

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Fizemos 1h 56´ 11´´

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Ana

 

Quis colocar umas palavras (de fugida, claro! É sempre de fugida) no teu post, mas não consegui.

Copiei-as:

 

Olá

Por vezes (muitas vezes) não precisam ser grandes coisas. Podem ser pequenas, irrisórias...basta que aos nossos olhos sejam GRANDES coisas. Afinal, a grandeza reside apenas na capacidade de "as fazer". Tudo o resto é relativo.

Se eu fosse "Fernão" faria e pensaria coisas maiores, grandes coisas.Deixaria a pequenez.  E voaria ao encontro de quem fugiu "deste bando". Afinal, não desejo outra coisa

Obrigada por hoje
Paula


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