Ainda sem treinos.
Ainda com muita "ferrugem" nas dobradiças.
Ainda com muito alcatrão nos pulmões.
Vou partir da estaca zero e calçar umas sapatilhas. Devem agarrar-se à estrada de tal modo que, os mal pesados 44 kg, se transformarão numa tarefa hercúlea de arrastar o esqueleto alguns metros.
Seja como for, dentro de poucos dias, quero estar a chegar à Meta, após ter corrido (21,097.5 metros), o que corresponde à distância da Meia Maratona.
A prova será realizada em Setúbal, dia 11 de Maio e eu QUERO estar lá.
Que probabilidades de conseguir? Não quero saber. Vou tentar.
Se isto fosse uma corrida de cavalos, ou de galgos, ou um combate de boxe ou...haveria apostas e, algum louco, apostaria em mim. No mais fraco. Às vezes, os fracos também vencem. Acasos do destino? Sorte de principiante? Os deuses protegem os loucos.
Eu sou louca quanto baste.
Em Dezembro, na Meia Maratona de Lisboa, eu e a Ana, gastámos 1h 56 ou 58 minutos (já nem me lembro). Em Maio, posso até terminar ao pôr do sol, ainda assim, o importante será terminar. Mas se não chegar ao fim, paciência. Valeu a intenção com que me proponho participar nesta prova.
Até no fracasso podemos descortinar vitórias.
DEPOIS DO TREINO
Fui a correr até à pista, cerca de 800 m (ou pouco mais). À terceira volta na relva, pensei que não ia conseguir mais. Tal como previa, o corpo era pesadíssimo, pés feitos de chumbo, pernas de cortiça e a respiração...ai a respiração...malditos cigarros!
Mas quanto mais me custava, mais eu insistia.
Recomeçar é bem pior que começar qualquer coisa pela primeira vez. Há sempre termos de comparação. Sentia-me abaixo de cão.
Entretanto junta-se a mim, um senhor. Sempre que o vejo corre comigo e oferece-me flores. Um malmequer, uma rosa, uma papoila...
Fiz algumas voltas com ele, embora o ritmo fosse elevado de mais para mim (não há muito tempo era ele que se esforçava por me acompanhar).
Vou de novo para a relva. Penosamente lá me arrasto mais um tempo.
Entretanto vejo chegar a minha amiga SANDRA.
Foi um bálsamo. Não sei como, mas voltei a encontrar aquela agradável sensação de me sentir livre a correr. E eu estava quase a desistir, pois sentia-me presa. Presa no meu corpo, presa nos pensamentos, presa a isto, presa àquilo...presa em mim.
A vida é um sofrimento, mas tem momentos gratificantes. Talvez até de quase felicidade. Momentos de ternura. Recordações. Passado. Presente. Beijos. Olhares. Encontros. Reencontros. E encontros adiados.
Só parei porque impus a mim própria um tempo limite. Corri 59´ e 06´´´.
Tenho pressa...
Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar
quando um homem se põe a pensar
Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar
E se houver
uma praça de gente madura
e uma estátua
e uma estátua de de febre a arder
Anda alguém
pela noite de breu à procura
e não há quem lhe queira valer
e não há quem lhe queira valer
Vejam bem
daquele homem a fraca figura
desbravando os caminhos do pão
desbravando os caminhos do pão
E se houver
uma praça de gente madura
ninguém vem levantá-lo do chão
ninguém vem levantá-lo do chão
Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem
quando um homem se põe a pensar
Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar