E adiada, talvez, para um futuro longínquo que não sei se e quando chegará.
O ano passado fiz a minha primeira Meia Maratona em memória da minha filhota Margaret http://alemvirtual.blogs.sapo.pt/2007/12/. Com poucos, muito poucos treinos, alguma dúvida quanto ao bom termo da prova (todos me diziam "é loucura" e "não consegues"), contra tudo, concluí a prova em 1h 56 min. Corri por prazer, rindo e conversando com dois amigos (a Ana fez a prova comigo) e, no fim, estava em óptimas condições físicas e psicológicas. A medalha coloquei-a na lápide da sepultura da minha filha. Ela dir-me-ia como sempre "mãe, és a maior!"
Nesse dia, 2 de Dezembro de 2007 pensei para com os meus botões: no ano que vem faço a Maratona.
Loucura? Talvez, mas não menos que outras. Sei que conseguiria. Dos fracos não reza a história e o que podia acontecer de pior: não conseguir? morrer de exaustão? Não conseguir não me demove. Fica o consolo de ter tentado. Não tentar, não arriscar não faz parte de mim. Morrer não me assusta. Apenas levaria a angústia de deixar o meu filho, mas teria outra alegria: a de reencontrar a minha filha. E um dia, estaremos, de novo, os três juntinhos.
Porque não correr a Maratona? Dia 7 de Dezembro de 2008 lá estaria.
Mas não estou. Há quase dois meses que não corro, nem sequer um minutinho.
Há uma corrida contra a corrente e com ela travo uma luta.
A corrida era a minha chama. Acendeu-se e agora...
Simbolicamente, o ano está a chegar ao fim. Um novo recomeço não tardará.
Cântico negro
José Régio
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
Os nossos grandes problemas são irrisórios perante verdadeiras desgraças alheias. Fatalidades noutras famílias, catástrofes noutras terras, guerra e fome noutros países...causas de infortúnio, tantas vezes aqui ao lado, ou em paragens longínquas...
Os nossos problemas podem não ser grandes problemas, mas são os que vivemos e sentimos.
Às vezes, importa reflectir...
Amanheceu. Humidade no ar, chuva fraca, e um dia de trabalho para cumprir. Talvez em Lisboa. Por isso, importa sair cedo, muito cedo.
Moro numa rua inclinada, uma descida acentuada com uma curva a meio. Mesmo em frente à casa onde moro.
Ouço travagens, ruído de pneus a derrapar e uns barulhos roucos, abafados pelas janelas fechadas. À terceira ou quarta vez, venho à janela. Vejo alguns vizinhos na rua e carros amolgados, alguns bastante danificados. Reparo logo na paleta escorregadia de cores a todo o comprimento da estrada:óleo. Era isso a causa das derrapagens e das batidas inevitáveis nos carros estacionados, nos passeios, nos postes de iluminação, em tudo o que estivesse à frente, até imobilizar os veículos.
Os residentes colocam-se estrategicamente no início da rua a avisar os condutores do óleo e pedindo para não passarem ou abrandarem. Telefona-se para a GNR a comunicar a situação e para os Bombeiros. O auxílio tarda. Também eu, telefono para a GNR e pergunto pela causa da demora. Volto a explicar a situação, enquanto se ouve o som de uma mota a cair e a ser arrastada na via.
A causa da demora em virem cortar o trânsito era que "Só há um carro patrulha e estava em serviço noutro local". Ainda acrescentam: "Acidentes, hoje há em todo o lado" . Respondo que estes podiam ser evitados.
Continua-se à espera dos Bombeiros para limpeza da via. Entretanto, mais uma motorizada e um carro derrapam na via e a mota cai. A condutora apenas fica com escoriações e um "susto de morte".
Enfim, chegam os Bombeiros e espalham areia na estrada. Tinham passado mais de duas horas, talvez três. Tiveram danos avultados cerca de meia dúzia de viaturas.
Sei que a chegada dos Bombeiros foi acelerada porque houve um telefonema oficioso para uma pessoa com algum poder nesta área.
A situação fica controlada. Chega, por fim, um carro da GNR. Deviam ser cerca de 11 horas e devia ser o tal carro. Mais de três horas depois do primeiro telefonema.
Numa zona residencial, com tantos milhares de pessoas, fico a saber que o posto da GNR que serve a minha localidade apenas possui uma viatura. Se não tivesse ouvido não acreditava.Os efectivos não sei quantos são. Nem ousei perguntar!
Afinal, que país é este onde vivo? Quais são as verdadeiras prioridades do meu governo? A segurança, a prevenção e o auxílio em situações de urgência e emergência parecem coisas de pouca importância.
Fico a pensar no sistema operativo do INEM, ultimamente tão discutido. Nas regras de actuação das nossas corporações de Bombeiros (bombeiros, enquanto pessoas voluntárias merecedoras do meu maior apreço). Na capacidade de actuação das nossas forças de segurança....
Lamentavelmente, não vislumbro motivo algum que me faça sorrir confiante.
Que articulação existe ao nível das forças de intervenção e socorro? Que dinâmicas as orientam?
E sobretudo:
Que investimentos se fazem com os impostos extraordinários que pagamos? Para onde são canalizadas essas verbas?
É uma pergunta legítima à qual, legitimamente, gostaria de obter uma resposta.
Ainda outra situação ocorrida na tarde de hoje
Início da tarde
Uma colega sente-se mal. Dores de cabeça violentas e uma sensação estranha no corpo. Perde a força no lado esquerdo. Incha-lhe o braço. Turva-se-lhe a vista. Fala com muita dificuldade e perde a cor nas faces. Consegue pedir auxílio a uma funcionária.
De imediato alerta-se o 112. Responde-se a todas as perguntas e procede-se de acordo com as orientações transmitidas.
A consternação é enorme e a preocupação maior ainda. A pessoa em questão é muito querida no meio. Pensa-se em AVC.
O socorro tarda. Novo pedido de auxílio. Novas explicações. Por fim, chega uma ambulância. Tinham decorrido 48 minutos.