Sente-se o hálito quente da Terra como se estivesse prestes a vomitar fogo. Aquele fogo que lhe arde nas entranhas.
No pico do Verão, os campos secos abrem-se gretados, o pó solta-se nos desenhos caprichosos que as últimas chuvas desenharam. O pinhal liberta um cheiro intenso a seiva e a caruma. As urzes, despidas do roxo anterior, resistem à inclemência do sol de estio. Aqui e ali, ainda persistem pequenas ribeiras e essas são a nota fresca num mundo que parece abrasar. Adivinham-se pela linha verde de silvados e erva viçosa. Contrastam com a secura instalada ao redor.
Este tem sido um Verão ameno, ventoso, estranhamente "temperado" numa zona habitualmente quente e seca. Mas o Verão nem sempre veste a roupa de mendigo. Por vezes, nasce orgulhoso, soberbo e, de rompante, apresenta-se em dias tórridos que me recordam o tempo de infância.
Em gaiata, o sol começava tímido no mês de Maio fazendo os campos cobrirem-se de "azedas" e malmequeres e, pouco pouco, intensificava-se até se tornar abrasador no mês de Agosto. Depois, em Setembro amenizava nas primeiras chuvas e em Outubro despedia-se em dias cinzentos. Nessa altura, regressava à escola e esperava o prenúncio do bom tempo e das brincadeiras ao ar livre, que associava ao mês de Maio. Se, por acaso, Maio vinha rabugento com relâmpagos e trovões, refugiava-me nos braços da minha mãe, ou da minha irmã mais velha. Apaziguada a fúria da trovoada, regressava à brincadeira com a Luzinha, a Lurdinhas, a Blita e a Leninha, já esquecida do tormento anterior.
Agora não é assim. Ou pelo menos acho que não é assim. As memórias, por vezes, turvam-se e esbatem-se. As recordações imprimem uma continuidade que nem sempre será fiel à realidade. Tendemos a generalizar o que foi apenas momentâneo. São momentos que marcaram, por isso se destacam de todos os outros. Gosto do mês de Maio. Nunca gostei do mês de Agosto.
Hoje foi um dia de Verão. Daquele Verão quente de outros tempos (começo a ficar saudosista, sentimento marcadamente próprio da meia idade, para não dizer da terceira idade, já que não gosto de "ordinarices" Primeiro, segundo, terceiro, só na Meta faz sentido e a mim basta-me lá chegar).
Corri. 1h 03 min. Ainda longe de treinos regulares, mas com alguma vontade de recomeçar. A estrada de asfalto acompanha-me quase todo o percurso, mas ao lado corre o pinhal comigo. De vez em quando, piso algum trilho mais aberto. Lanço mão de umas amoras pequenas e definhadas, mas sinto-me como se tivesse assaltado uma quinta. Traquina corro com um sorriso mais largo que os passos que consigo dar. Ainda assim, penso estar no bom caminho. Rumo certo de quem quer correr com rumo...