existe sempre alguém ...passo e fico como o universo...
28
Jun 10
publicado por alemvirtual, às 22:46link do post

(obrigada A.S. pela foto que enviou e pelo copo que emprestou)

Desde que "calço" sapatilhas foi esta a minha experiência mais ousada.

Demorei 3h 11 min a completar o percurso de 17 Km que corresponde à Corrida da Freita (o UltraTrail nuns "modestos" 70 Km é proeza fora de alcance.

Uma prova inédita para mim, com um percurso mais "agressivo" (Ai, Senhor...agressivo é ser meigo...) que nas edições anteriores.

Aprendi linguagem mais técnica, terminologia mais adequada à descrição da prova, porém continuo a preferir o meu discurso simples de leiga, pois serei sempre uma pretensa atleta...

 

Nunca poderia escolher uma banalidade para me estrear na montanha - uma paixão que começo a descobrir e ameaça transformar-se em algo tão avassalador quanto a imensidão do infinito que o olhar aqui alcança do alto de um penhasco. Escolhi a Serra da Freita. Corri sozinha, mas levei a doçura da minha estrelinha no coração.

A paisagem entranha-se em nós. Arrebata-nos. Entre a emoção por tamanha beleza e a respiração arquejante do corpo que se arrasta, fica algures a alma e o ser do atleta, Frecha da Mizarela acima. Uma conquista que é mais uma entrega. Um deleite na água cristalina, no tapete verdejante, na rudeza do granito que assoma à flor da terra. E do cimo desta serra, tingida de cores intensas, a cadência da água que se precipita em queda vertiginosa, para depois suavemente beijar seixos redondos e dar de beber em diques e regatos às terras verdes do vale. As encostas de contrastes oscilando entre uma vegetação rasteira, típica de um agreste clima serrano, quase nuas, inóspitas e o denso entrançado de pés de milho, centeio e carvalhos seculares. Ouve-se o balido das cabras, o caminhar de vacas atravessando os caminhos, o chilreio de aves que se misturam em trinado saudando o dia que nasce. Os sinos que cantam horas em badaladas de Avé-Maria... Aqui tudo é intenso, puro, agreste e doce como suave mistura de especiarias em cozinhado exótico. Uma serra que encerra segredos por descobrir...

 

 

Eram 5 horas. A lua declinando no céu parecia tocar na serra, amparada pela ramagem dos pinheiros ao nosso lado. Quase ao alcance da minha mão. Como ao alcance dos 181 atletas estava o desejo de conquistar os 70 Km de percurso no Ultra Trail da Serra da Freita. Há quem sonhe com a lua, com a conquista do espaço sideral, aqui sonha-se com a montanha. E parte-se à sua conquista levando no coração e nos lábios o nome de quem a amou como ninguém e a quis dar a conhecer: Sálvio Nora. Foi uma partida emotiva, memorável. Uma quase manhã, numa noite que findava. Um quase alvorecer num dia que tardava. Uma partida determinada em busca de um sonho. Atletas que entregam o seu esforço até à última gota de suor, até que as pernas fraquejantes cedam, até que uma queda brusca os trave. Além dos limites. Em nome desta paixão.

 

Eram decorridas cinco horas sobre a partida do Ultra Trail quando começou a Corrida e a Caminhada, respectivamente 70, 17 e 8 Km.

 

Fiz a prova de Corrida. Aqui, o número de quilómetros é totalmente irrelevante. Nada diz sobre sua dureza e a exigência quase à exaustão. Corpos arranhados, suados que se arrastam encosta acima, fundindo-se na rocha da paisagem. O calor sufocante torna mais árdua esta tarefa. Impiedosamente fustigados pelos raios quentes e pelo calor que a terra emana, agarramo-nos a pedaços salientes de rocha ou a ásperos troncos de carqueja. Deles fazemos o nosso auxílio encosta acima, progredindo metro a metro. E o tempo deixa de ter qualquer importância. O olhar é atraído pelo miradouro que, colocado acima da queda de água, assinala o fim deste "cabo de tormentas"...

Um sabor a sal e a suor; Estava vencida a última muralha.

Ah!..que importam as dores e o cansaço?

Agora era correr para a meta. Cerca de 1,5Km até ao Parque do Merujal.

Podia-se, por fim, voltar a correr. Para trás tinham ficado escarpas e vales abruptos. Riachos e campos cultivados. Até esta provação tinha gasto 1,30h para percorrer 11 Km (registado no GPS de um companheiro de prova). O resto do tempo, até perfazer mais de 3 horas em prova foram gastos a trepar como uma gata, a escorregar e a cair, a descer e voltar a subir. Não desisti. Para mim, foi um arrojo. Um desafio. E eu venci-o. Posso dizer "Corri na Freita. Desci e subi a Mizarela". Trouxe arranhões nas pernas e no peito, uma unha ensanguentada, umas sapatilhas cuja cor o pó ocultou, mas um sorriso feliz de vencedora. Para mim, é tudo quanto basta. Os quilómetros se foram poucos? Pois...O pouco ou o muito sempre foi algo relativo...Pode ser irrisório e pode significar tudo quanto somos, temos e sentimos. E eu fiquei apaixonada pela montanha. A serra chama-me...conseguem ouvir o seu apelo?

 

Horas mais tarde, na linha de chegada aplaudi amigos, conhecidos e desconhecidos que chegavam vencedores do Grande Trail. Opinião unânime: nunca antes se tinha corrido prova tão dura.

Igualmente vencedores foram os que se viram obrigados a desistir. A minha admiração e carinho por todos eles não é menor. Entre estes muitos atletas encontram-se grandes amigos e um amigo especial, pois enverga as cores do mesmo clube. Um ultra maratonista, um apaixonado pela montanha, por trail e ultra-trail, uma "sombra" dos meus passos, um "eco" que corre em mim...Claro que sim, o meu colega de equipa António Pereira. Ele levou bem longe e bem alto o azul e branco do Clube do Sargento da Armada. Alguns companheiros incendiaram as "Fogueiras", nós, eu e ele arrebatámos ao mar o azul e corremos em direcção à serra...

 

À chegada, continuando a brincar com dois companheiros de prova

Depois de lavadinha, permaneci no local de chegada com o António e outros amigos a aplaudir os "Conquistadores"

Fotos do álbum de Orlando Duarte http://picasaweb.google.com/orlandoduarte1/5UTSFMemorialSalvioNora#5488228552703541042

 


Olá Paula,
Benvinda ao mundo dos Trailianos. Agora começas a perceber porque me viro mais para os trails. O alcatrão já pesa demais, a natureza grita por nós. apelo irresistível que não se consegue recusar. É o encontrar do nosso "eu" mais fundo. Parabéns pelo desafio (ou chamamento?) aceite.
Aquele abraço...
Carlos coelho a 29 de Junho de 2010 às 11:07

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