Não sei com que cor se escrevem as palavras emotivas. As palavras ditadas pela emoção. A emoção em forma de palavras.
Sei a cor do gelado que comi. Era uma taça grande, em forma de maçã, de vidro brihante, transparente. Enchia-a com umas bolas de gelado branco, cremoso, salpicado por pedaços de chocolate escuro. Depois, tirei uma chávena do armário. É uma chávena pequena, vermelha, com uma abelhinha amarela desenha. Expressão de espanto e asas abertas. Fiz um café forte, aromático, negro e enchi-a. O fundo branco, coberto por momentos de líquido espesso e quente, ocultou por breves instantes o vazio branco do interior da chávena. Vazios...Instantes...Momentos...
Continuei sem saber com que cor se escreve emoção.
Olhei pela janela. Aqui roupa que esvoaça ao vento. Uma planta que se agita. A parede que reflecte a luz desta tarde.
Ouço passos na calçada. Passa gente. Ouço vozes. Ouço risos. Passa vida.
Permaneço ali, na cozinha. De pé. Ao lado a taça de gelado vazia (aprendi a gostar de gelado; esforço-me por gostar de coisas banais como uma taça de gelado). Ao lado a chávena suja do café.
E penso que não sei a cor com que se escreve emoção.
Continuo sem ver a sua cor. Sem a saber; sem a distinguir; mas com que cor se escreve emoção?
Olho para a mesa da cozinha. É uma mesa redonda. Não há lugares marcados nas mesas redondas. Apenas rumos, direcções que se tornam habituias. Tenho de substituir esta mesa. Quero uma com ângulos. Gosto de quadrados perfeitos. Quero lugares vazios que nunca tenham sido ocupados. Esta mesa redonda não tinha lugares marcados, mas tinha lugares preenchidos. Está vazia. A taça de gelado está vazia. A chávena do café está vazia. As palavras não têm cor ou eu não a conheço. Será que, também, as palavras são vazias?
Hoje não corro. Ontem não corri. Nem no dia antes. Nem no dia antes de antes. Antes era tudo diferente. Agora tudo mudou.
Mas por que razão eu não sei com que cor se escreve emoção?
Um dia, em breve, vou buscar os estojos de pintura. Deitar fora os pincéis endurecidos. Abrir tubos de tinta fresca. Rasgar plásticos que cobrem telas.
Um dia, em breve, vou buscar os meus sapatinhos de danças de salão. Limpar o pó. Colocá-los nos pés.
Um dia, voltarei a calçar as sapatilhas que é o passado mais presente e mais permanente em mim.
Hoje, apenas me inquieto porque não conheço com que cor se escreve emoção.