Estavas em Constância. Atrás de ti, o Tejo e um pouco abaixo, à esquerda, o Zêzere. Estavas mesmo na confluência, no encontro e no abraço dos dois rios.
Foi em Maio, dia 6. Dia da Mãe.
Agora, repousas bem no alto, num jardim sobranceiro ao rio e a alta torre da Igreja parece assinalar, desde longe a quem passa, a tua presença ali. És a flor mais bela que passou por Constância. A Vila-Poema ficou contigo, poema vivo que habitou entre nós. Era o único lugar ao qual confiar a tua doçura. Constância vela o teu sono.
No Zêzere reclinas a cabeça e o Tejo acaricia-te os pés. Os rios sussurram baixinho canções de embalar. Há paz. Nada perturba o sono eterno da menina (o nosso poeta diria donzela), da estrelinha azul.
De vez em quando, uma lágrima furtiva, silenciosa denuncia a imensa dor que nos ficou...
"roga a Deus que teus anos encurtou
que tão cedo de cá me leve a ver-te
quão cedo dos meus olhos te levou"
(do nosso bem-amado poeta Luís de Camões)
Hoje fui correr no Parque da Paz. Nunca mais lá tinha voltado. Tu sabes...
As recordações inavdiam-me e invadem-me ali ou noutro lugar. Memórias soltas, avulsas, na ânsia de tudo fazer presente. De tornar presente o passado que não volta. Pensamentos e frases incoerentes verbalizam palidamente a riqueza que me legaste. A luta pela vida. Eu luto e corro. Gestos mecânicos, automatizados porque já nada é feito naturalmente.
Falo de ti. Adoro falar de ti. Até a quem não te conheceu.
Preparo-me para a aventura a que tu adorarias assistir. Correrei com a esperança que tu me vejas e acompanhes.
No dia 2, três meses e um dia depois de te ter deixado em Constância, irei correr por ti. Eu e quem mais quiser fazê-lo.
Um dia, talvez tenhas uma Corrida com o teu nome...multidões correrão, apoiando simbolicamente, a luta pela dignidade da vida, contra o cancro e contra a dor. Será uma "luta" pelo acesso aos cuidados paliativos. Um dia, chamaremos a atenção para isso.