Último reduto de mística paisagem, onde as asas da imaginação se encrespam em sonhos mais intrincados que as moribundas e, ainda assim, furiosas cristas das ondas...
O imenso oceano estendido à nossa frente, tudo invade, até ao horizaonte difuso.
Tecido bordado a verde e prata, a azul e ouro...
É assim a envolvência de Santo André.
Atrás de mim, um espelho imenso de tons azuis profundos, reflectem a calma e contemplativa vida da lagoa. Adivinha-se a riqueza e a abundância nos ares e nas águas...locais de nidificação e habitas de espécies protegidas.
Ali, a meus olhos, o tempo parou e ficou estático, imortalizou-se neste quadro tranquilo entre o verde dos pinheiros, o dourado areal e a calmaria azul das águas quase paradas. Serenei com a serenidade da paisagem.
Olhei adiante. À minha frente, um mar imenso, alto, verde e azul, espumando de branco debatia-se furioso, encrespando-se em crinas e ondulação alterosa. O vento sibiliava ainda mais forte que o mar. Mediam forças...os dois...ambos gigantes da natureza...um incorpóreo, mas forte. A sua presença alastra ao longo dos recortes costeiros e arrasta consigo grãos de areia indefesa...o outro, visível, majestoso, misterioso...o que empresta os mais belos tons de verde e azul, ao nosso planeta errante(?)....e eu...aqui, entre o duelo travado...frágil...nesta tormenta de azul e verde, de sol e mar, de vento e frio, para aqui fiquei alguns instantes, deixando que os meus olhos se lavassem na beleza indescrítivel do cenário.
Eu via. Eu vejo. Sempre com ela no pensamento, uma Avé-Maria entrecortada nos lábios, interrogava-me com que força ou que forças me moviam a estar ali. Esse tormento interior ninguém o via. Os olhos do corpo apenas viam a lagoa, e as praias estendidas até ao infinito.
Ela deixou de ver. Há uns dias, o seu sofrimento alastrou-se ao que tinha de mais belo...os seus olhos...enormes, escuros, aveludados como abóbada celeste em noite fria. Agora, grossas lágrimas, silenciosas como ela, desprendem-se e um murmúrio de dor, acompanha-as...Mãe, os meus olhos....deixei de ver....
E eu ali. Tudo via. e Vi-a a ela. Através das ondas que se debatiam e dos desenhos da areia...chorei...mas os olhos do corpo presenciavam um sorriso que cravei nos lábios e uns movimentos de dança ao som da música tocada...
Parti. Antes tinha encontrado rostos conhecidos, sorridentes, afectuosos. Senti-me quase querida por toda aquela massa humana. Era como, sem saber eles, me amparassem nesta dor.
Nas primeiras passadas, procurei com o olhar alguém que ajudasse no ritmo, me desse alento e estímulo para conseguir alcançar o meu objectivo. Sabia que seria quase impossível, mas queria fazer cinco minutos por cada quilómetro vencido. A vida vence-me. Há muita coisa que me venceu. O tempo gasto foi 47´22´´. Ainda assim, quero sentir-me vencedora.
Juntas havemos de vencer.
Juntos também, dois colegas de equipa. Ele, experiente, sólido atleta, corredor imparável de maratonas, pés habituados à rigidez do asfalto e à inconsistência da areia, acompanhou-me todo o percurso. Procurou-me até me encontrar. Já com um ardor no peito e a respiração ofegante avançava, contornando corpos suados, passeios saltitados, esgueirando-me sinuosa por entre a multidão. Ficou a meu lado e eu soube que estaria sempre ali, apesar dos meus débeis protestos.
Obrigada António.
Não és só um atleta magnífico, mas uma alma maravilhosa. Quase te abracei de gratidão quando, ainda e sempre juntos, cortámos a meta. Quem sabe, se num futuro próximo, conseguirei ser eu a ajudar outro alguém...Deus te pague.