Era uma flor. Tinha nascido num campo que não sabia onde ficava. Era imenso, coberto de outras flores de cores intensas, garridas, perfumadas. Havia rosas e cravos, orquídeas e malmequeres e muitas, muitas outras flores desconhecidas que admirava secretamente. Havia flores com pétalas de todas as formas. Algumas exalavam aromas intensos e exóticos, cativando quem passava.
Ela não se via, não sabia que flor era. Debruçava-se, curvando-se sobre si mesma, num esforço em busca de um reflexo. Mas abaixo dos seus olhos, via apenas a terra seca. Onde estava a sua imagem?
Não sabia como tinha nascido ali. Não sabia porque tinha nascido naquele campo. Gostava de imaginar-se, ainda pequena semente, enrolada nas asas do vento ou transportada no bico frágil de uma ave. Por isso, olhava o céu e observava o vaivém das gaivotas e julgava perceber em si vestígios de uma existência ligada ao mar profundo...talvez o agitar das suas folhas verdes, fosse uma recordação do marulhar das ondas ou talvez o remoínho do vento agreste.
Sabia apenas que estava ali, por isso, fosse qual fosse a razão da sua presença, deveria ser uma razão especial.
Alguém tinha que saber. E perguntou a todas as flores. Quando a sua vozita se perfeu nos confins do prado, agarrou nas poucas pétalas e partiu.
Subiu às montanhas e viu as flores das escarpas. Sentiu o frio da rocha e o seu toque áspero e cortante. E viu que não era uma flor das montanhas escarpadas.
Caminhou nas vastas planícies e não gostou da monotonia da paisagem. Conversou com os malmequeres e não se reconheceu na igualdade das suas coroas.
Ergueu-se, o mais que pode, e falou com as giestas.
Ao entardecer entrava sorrateiramente nos jardim bem tratados e escolhia um canteiro ansiando a alvorada. Ensaiava o seu melhor sorriso e aguardava... A seiva corria mais depressa e a cor intensificava-se. Pelo menos, assim pensava ela que não sabia qual era a sua cor. Às vezes era arrancada violentamente pelas mãos rudes do jardineiro que a olhava como se de uma erva daninha se tratasse. Nessas alturas, a flor chorava e fugia por caminhos solitários.
Talvez mais à frente...talvez mais longe...
Andou por serranias e por vales profundos. Subia e descia. Já quase não tinha raízes. Tinha gasto as finas correntes que a prendiam à terra dura, nos camihos percorridos. Aquelas pequenas raízes eram como âncoras na areia. E este pensamento fê-la de novo pensar no mar.
O mar... e suspirou.
Talvez não seja uma flor da terra - pensou. Talvez seja uma flor do mar.
E agarrando na última pétala, caída, correu até ao topo da falésia. O mar bramia e libertava, muito acima das ondas, o seu perfume salgado. Era como um véu ou uma cortina ténue, cobrindo o berço de um bebé.
O mar sussurrava uma canção de embalar...
A flor fechou os seus olhitos, esboçou um sorriso infantil e lançou-se no vazio.
Dizem que uma gaivota pairou no ar e viu a flor descrevendo círculos suaves, mergulhando em direcção ao mar...