aspecto da zona de Partida
Cheguei a Peniche, cansada e irritadiça. O dia, demasiado quente, fazia-me temer um desgaste enorme na prova e não estava muito motivada para tal nem para "derreter" sob uma temperatura escaldante.
Fiz a viagem do Entroncamento para Lisboa num comboio agradavelmente fresco. Em Santa Apolónia, se bem que o termómetro marcasse 34º não se comparava aos quase 40 que tinha deixado. Aguardei alguns minutos e surgiu o carro do Luís.
Instalei-me no banco de trás do carro, esticando as pernas cansadas no assento e aliviando os pés inchados. A rádio (não sei que emissora) transmitia boa música dos tempos da minha juventude e, intercalava os trechos musicais, com observações muito pertinentes. Comecei a apreciar um pouco mais a viagem, mas continuava sem grande vontade de ir correr 15 Km.
Para agravar o mau humor, Peniche estava "gelada". Como é possível quase desmaiar de calor umas horas antes e agora enfrentar um vento tão frio? Quem se lembraria de trazer um agasalho?
Comecei a lamentar-me interiormente e a censurar-me por "embarcar" nestas aventuras, enquanto subia as ruas empedradas ao encontro da minha equipa.
O estômago roncava reclamando alimento. Parecia ter engolido um urso. Afinal, só tinha comido um tomate com atum e maionese ao almoço, era natural que estivesse faminta.
Ao chegar à carrinha do meu clube, o ânimo mudou completamente. Fui recebida com abraços e beijos sinceros. Sinto-me sempre muito acarinhada. Eles são parte da minha família, de uma família que recebi por acréscimo ao entrar nas andanças da corrida.
Apareceu, logo, um casaco, miraculosamente.
O estômago animou-se e o sorriso nasceu. Havia bola de carne, bolo de frutos secos, bolo de chocolate e maçã, queijo seco, chouriço, arroz doce e, sei lá, mais quantas iguarias.
Bem, se é assim, fora com o mau humor!
E viva a festa!
Peniche é terra de pescadores. Cidade costeira, implantada em zona baixia, proptegida pelos precipícios rochosos das falésias traiçoeiras. Em baixo, o mar ruge e brame contra elas.
Associa-se Peniche ao bom peixe fresco. Terra de gente simples e franca, de gente lutadora que granjeia o sustento arrancado à força das vagas.
A todos, quantos trabalharam arduamente para me oferecer (e a mais uns milhares) esta festa popular e a boa sardinha assada, muito obrigada.
A MINHA PROVA
Primeiro, foi um banho de multidão. O encontro com algumas caras conhecidas, a nostalgia que me reporta a Constância e ao Entroncamento. A um passado recente que não voltará jamais.
Depois, foi um mergulho no escuro, ao encontro de pontos luminosos que aqui e ali aumentavam de tamanho à medida que me aproximava. Fogueiras que cresciam sobre as rochas, alimentadas por mãos voluntárias, quebrando as trevas de uma noite sem lua.
E a meu lado, o meu bom amigo António, guiando-me neste sobe e desce do Cabo Carvoeiro. O António, um atleta de mão-cheia, amante das Maratonas e das Ultra-Maratonas, é o meu anjo da terra, sempre que corremos juntos. Aliás, quando ele não está, a corrida para mim, fica incompleta. Ele tornou-se o meu mentor e o meu guia, nos quilómetros que corremos lado a lado. A sua voz faz parte das minhas pernas, da minha vontade e do ar que entra e sai dos meus pulmões. Sinto-me muito grata por ele correr comigo. Bem hajas, António.
Gosto de correr e observar. Correr e sonhar. Correr e rezar. De noite e de dia corro com uma estrelinha azul ao peito. A minha estrelinha...
Pontos brancos rasgavam o céu, gritando estridentemente. Eram as inúmeras gaivotas, verdadeiras senhoras destes palácios rochosos.
Lembrei-me de um livro autobiográfico de um amigo do Entroncamento a quem um AVC não o impediu de continuar a voar nas asas do sonho "Voando nas asas de uma gaivota" - Vitor Mateus.
Pesquisando na internet para confirmar o título deste livro, encontrei este comentário e vi logo que eram palavras da minha filha. Foi um choque, sobretudo porque sei que não são palavras delas.
Nas asas de uma gaivota |
Enviado por Margarete em 14/06/2007 10:57:11 (148 leituras internas) Contribuições deste autor |
Pensei hoje num incrível momento de loucura subir à janela e atirar-me, apanhar uma gaivota e voar por aí sobre os mares, esquecer quem sou e o tempo que não tenho, esquecer as lágrimas perdidas e no cimo da vida pular de contentamento, esquecer os pensamentos ensanguentados e ser-me assim como nunca fui nas asas de uma gaivota. |
Ouvia a canção do mar. Lia as placas do caminho. Uma dizia "Caminho do Inferno", mas não fomos por ali. Não quero mesmo ir por aí.
Entre os foguetes da partida (que eu detesto. Tenho medo de foguetes) e o silvo do chip à chegada decorreu 1h 25m e 11s. E foi durante este tempo que percorri os 15 Km, numa corrida satisfatória, com alguma má disposição na parte final, mercê do excesso de bola de chouriço comido antes. Mas nada de grave. Já tinha aderido completamente à festa.
Esta foi a prova onde senti mais interacção com o público. Sobejaram incentivos e aplausos. Não seria a mesma se lhe faltasse esta moldura humana.
Se a prova fosse só para mim, daria o tiro de partida meia hora mais cedo. Como sou lenta haveria tempo para escurecer e realçar o brilho das fogueiras...
Se pudesse, roubava um pouco à faixa da estrada por onde circulavam os veículos, a fim de não ser tão compacto o cordão humano das fogueirinhas e das fogueiras.
na sardinhada