Esta foi a minha segunda Meia Maratona. A primeira aconteceu no dia 2 de Dezembro de 2007, três meses depois de ter deixado de ver os olhos castanhos e imensos da minha filha. A ela entreguei-lhe a medalha. Ainda lá continua, entrelaçada na lápide… Nunca mais tinha voltado a correr uma Meia.
Ontem, dia 10 de Maio, uma data cheia de memórias dolorosas, quis espantar fantasmas e brindar a vida, correndo.
Corro há três anos. Continuo a sentir-me deslumbrada pelo mundo da corrida, pela sua simplicidade, pela alegria natural que brota dos corações que correm, da energia que transborda de corpos suados e invade as ruas, trepa paredes dos prédios, lança-se às águas dos rios, alcança o oceano, escapa-se pelo horizonte distante e descansa no cume das montanhas. Tudo é belo e mágico. O mundo transforma-se em dia de corrida. Não, talvez sejam as pessoas que se transformam e têm olhares novos para este mundo velho…?
O olhar descansa do cansaço da vida, das atribulações, das dores, dos medos, da fome e abre-se à paz que jorra em passos de corrida.
Um pouco de receio e muita expectativa, creio ser o que se sente à partida para uma Meia Maratona. Eu senti. Senti também uma alegria genuína por estar ali, entre amigos, ter pernas para andar e correr, olhos para ver o branco e o azul do nosso equipamento, os verdes e os laranjas dos outros, o céu cinzento e a espuma do mar, ter ouvidos para ouvir as risadas esparsas deste ou daquele que passava…Mostrava também uma outra alegria, uma mais falsa, mais exacerbada, dançando e brincando a um ritmo tão contrário ao sentir deste dia 10 de Maio. Mas essa foi outra corrida que eu perdi, que ela (Margot) perdeu, mas que continuo a querer correr. Todos os dias e, simbolicamente, em cada dia de corrida. Já não procuro resposta à pergunta: “Porque corro”. Corro porque sim.
E assim alcancei mais uma Meia Maratona. A um ritmo leve, por entre bairros citadinos e estradas portuárias, fui vencendo quilómetro após quilómetro.
Concluí a prova muito bem, sem cansaço, sem angústia, sem frustração por um tempo acima das duas horas, apenas com pena de ter terminado. Foi um prazer imenso enquanto durou. Depois fica o travo quase amargo de ter terminado depressa. Era bom que durasse… Penso que, ao anteciparmos estes momentos, misto de prazer e tristeza, desenvolvemos mecanismos de defesa. Assim, em cada prova, planeamos a prova seguinte. Sonhamos com outra e ainda corremos esta... Programamos treinos conjuntos que, muitas vezes, nem se chegam a cumprir. Recordamos provas passadas. Vivemos entre o que se correu e o que se irá correr. Vemo-nos a correr provas longínquas… Estranho, mas delicioso. Estranha e deliciosa é esta forma de vida. Em busca da felicidade…encontrada, simplesmente, numa corrida…
Lembrando o grande poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage…
Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, Razão, me tens curado?
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer é conduzido!
Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado,
Depois com ferros vis se vê cingido:
Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da existência à morte!
Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
É lei da natureza, é lei da sorte,
Que seja o mal e o bem matiz da vida.
Bocage
A Equipa antes da prova: Jorge, Pedro, Fernando, Paula, Ana, Magnífica, Fernando,
A meio da Prova: 4 AP (António Pinho, Ana Pereira, Ana Paula Pinto e António Pereira)