Ontem, cheirava a mimosas e a narcisos em Constância. Um céu muito azul e um sol quente lembravam a antecipação da Primavera. Uma Primavera que já não chegaste a viver...e as Estações mudam e sucedem-se como se nada tivesse mudado e tu não tivesses partido. Para nós, doeu ter sentido o frio do Inverno e a humidade dos dias de chuva...as manhãs de geada nas margens do Tejo e o quente das tardes soalhaleiras. Esta brandura de dias que se sucedem a dias, insistem em trazer vulgaridade aos dias que nunca serão vulgares.
Os escuteiros cantavam alegremente..."Se crês em Deus". Moviam-se ao ritmo da música...dos acordes da viola, do órgão e dos estalidos dos dedos. A Igreja da Misericórdia - obra prima setecentista - de Constância, uma vez mais, acolheu na sua talha dourada a celebração em memória do teu nome...Ana Margaret Pinto Cotovio Dias Martins. Fazemos questão de colocar o teu nome completo no caderninho do sacerdote. Ele, como se adivinhasse o nosso desejo, nunca omite apelido algum. Com a sua voz trémula, de muitos anos de vida e de uma saúde frágil, esforça-se por dizer nome por nome...E toda os fiéis ouvem o teu nome: Ana Margaret Pinto Cotovio Dias Martins...6 meses.
Acho que todos os olhares convergiram para nós. Figuras tristes em contraste com a alegria das filas da frente onde inúmeros jovens de calção azul e camisa caqui, agitavam o lenço e cantavam em homenagem a uma jovem ausente. Ausente, não. Presente. Presente nos corações e na nossa memória.
A tua imagem rompeu o tempo e vi-te nas escadas do altar-mor, com o traje do coro, tocando flauta. Concertos de Natal perdidos no tempo...tocavas divinamente. Talvez seja o exagero do meu coração de mãe, mas acho que não. Recordo-me dos maestros e do carinho e da admiração que tinham por ti... piano (que pena nunca te ter chegado a comprar o de cauda que querias...), trompete, flauta transversal...dava quase tudo (ou será mesmo tudo?) para te ouvir de novo interpretar o Danúbio Azul...dizias-me: "Mãe, prefiro Sobre as Ondas". Eu, teimosa e exigente respondia-te: "Se queres tocar para mim, começa pelo Danúbio..."
Era a nossa valsa preferida. Imaginava-te sempre num vaporoso vestido branco, abraçada ao teu marido, num local qualquer, verde e ornado de ramos de flores campestres. Não cheguei a
realizar o meu sonho, mas continuo a imaginar-te...
Agora, o teu marido tem rosto. Um rosto que reflecte uma alma imensa e um amor infinito...por ti, pela minha princesa...continuo a imaginar-te...dentro em breve, comemorarias um ano de casada...e nós nunca chegámos a comemorar o teu matrimónio...o tempo, roubou-nos esse tempo...nem celebraste nenhum Natal, nem nenhum aniversário, nem...sempre o tempo...mas nesse breve tempo, viveste uma eternidade.
Agora, seis meses depois, continuas a viver na eternidade.
Na tua lápide, escrevemos "Até à eternidade a tua luz brilhará nas nossas vidas. Amamos-te"
Ontem, Constância aquecia à luz do sol do primeiro dia de Março. O Tejo espreguiçava-se e o Zêzere adormecia...E tua acima deles...
Levámos-te jarros brancos. Sob a luz intensa da manhã, pareciam ainda mais brancos. E os muros resplandeciam de brancura. E os mármores ainda mais alvos...Mas nada se compara à tua luz...até o sol perde o brilho quando se olha para ti. Anjo, deusa, menina ou santa...
Minha Rainha Margot...
Dia 1 de Março, sábado, 6 meses depois de um sábado...
Dia 9 de Março, numa sexta-feira, há um ano atrás...o dia do teu casamento...
Parabéns A(na) M(argaret).