existe sempre alguém ...passo e fico como o universo...
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Fev 07
publicado por alemvirtual, às 09:15link do post | comentar

Percursos

 

Rumo a Monsaraz…

 

Domingo, 19 de Novembro de 2006

 

Dez horas. Manhã ensolarada de um Outono quase Verão. Saio de casa do Sr. José em Reguengos de Monsaraz com o objectivo de chegar a Monsaraz (a correr, é claro!)

 

Antes, tinha preparado a lebre que iríamos comer ao almoço: a minha estreia em ensopado de lebre (modéstia à parte, ficou bem apetitosa; fizemos-lhe tais honras que dela só restaram os ossos descarnados).

Após ouvir atentamente a explicação do caminho que deveria tomar, saí…

(Ah! Importante, é registar que estreei uns óculos novos de desporto. Vermelhinhos e lindos de morrer. Só pelo preço se percebe que não devem valer grande coisa, mas que fazem vista, lá isso fazem!)

 

Como não podia deixar de ser, enganei-me logo, mal deixei a povoação. Sorte a minha, era dia de caça e o Alentejo ainda faz jus à tradição! Pergunto a um grupo de caçadores qual o caminho, o que me fez perder uns minutos a ouvir a explicação. Que se passaria na cabeça deles? Decerto pensaram que eu seria maluca, ou então, na melhor das hipóteses que me teria perdido do restante grupo de corredores, pois há formas bem mais rápidas de chegar àquela página de pedra da nossa história, verdadeiro miradouro da eterna planície alentejana, esculpido há séculos sobre o jovem espelho de água do Alqueva…

 

Retornei ao verdadeiro percurso.

Mais concentrada na riqueza paisagística que na passada que levava, contemplava os campos pululantes de vida, em redor. A luz do sol banhava os campos pintados de verde e amarelo de pequenas flores silvestres. As vinhas, há muito nuas de cachos, ostentavam agora o tom ocre envelhecido da folhagem agonizante.

Aqui e ali um pássaro cruzava o meu caminho.

Ao longe, troava no ar um tiro disparado pelos muitos caçadores ocultos em moitas.

Adiante, as oliveiras deslumbraram-me…ramos pendentes quase tocando no chão sob o peso dos bagos maduros, fizeram-me recordar a beleza de um rancho na apanha da azeitona e a técnica manual de tempos idos, substituída agora, pela eficácia das máquinas. Recordei-me de um Inverno, em que há muitos, muitos anos, eu, então criança, observei e imitei os adultos nesta faina: primeiro estendiam-se os panos debaixo da árvore. Panos feitos de serapilheira, enormes, abarcando ao máximo a área que a copa da oliveira delimitava…Depois, de vara em punho, (uma vara comprida) batia-se nos ramos (chama-se varejar, lembrei-me) …por fim, vinha o ripar: deslizando o ramo entre os dedos, retiravam-se os bagos mais teimosos. Foi exactamente isto que vi. Homens e mulheres trabalhando como se o tempo tivesse parado na minha infância.

À passagem pelo maior centro oleiro do país, senti-me a entrar nas páginas de um livro de algum conto tradicional português. S. Pedro do Corval, todo ele uma exposição da típica arte de enfeitar o barro. À esquerda e à direita, pratos, canecas, vasos, cântaros e uma infinidade de peças multicoloridas, destacavam-se nas paredes brancas das casas e nos passeios, ao longo da estrada.

S. Pedro do Corval não foi só um deleite para a vista, mas também uma sedução para o meu olfacto. Eu, que adoro a boa “cozinha”, imaginava ricos ensopados a serem preparados dentro das casas, pelo aroma inconfundível das especiarias que as janelas abertas deixavam escapar...

Seguia em frente, cada vez mais, com um sorriso desenhado nos lábios. Isto sim, era uma aventura. E era só minha, uma aventura solitária…saboreava-a com tanto prazer, como mais tarde iria saborear a lebre que me aguardava, uns quilómetros atrás.

 

Aqui e ali montes e herdades com nomes históricos e romanescos. Poços com noras e regatos de água, contrariavam a ideia da secura alentejana.

Continuava a correr a um ritmo bastante bom para mim. Sentia-me em plena comunhão com a natureza. Sempre senti que dela faço parte e dela preciso para viver.

De vez em quando deixava a firmeza do alcatrão para quase enterrar os pés na terra fofa das bermas.

Surpresa vi freixos e choupos e descobri mais uma ribeira. Perto, uma pedra que me pareceu tumular. Tentei ler, concentrando-me ao máximo, mas não consegui decifrar o que imaginei ser um epitáfio… Mais tarde, soube que lhe chamam a “Pedra dos Namorados”, mas ainda não sei que mensagem tem inscrita nem a lenda em seu redor.

 

Entretanto, surge uma bifurcação no caminho. Deveria ser sempre em frente, conforme me recomendaram, mas…e se fosse para a direita? Mais vale perguntar. Sem parar, cumprimento um homem sem ar de lavrador que percorria uma vinha:

_ Bom dia! Para Monsaraz é em frente?

_Sempre em frente – respondeu. E logo de seguida: A menina consegue lá chegar?

Gente com sentido de humor…ri-me tanto que quase perdi a força para continuar a correr.

 

Ao meu lado, a minha sombra acompanhava-me, dando-me a ideia de me estar a ver ao espelho, o que era óptimo para observar o vaivém dos braços e o impulso das pernas…pés rente ao chão para poupar energia, calcanhar atirado para a frente…tocando no chão…depois a planta…o pé todo… (até que posiciono bem os pés- pensei. Tenho que melhorar é o vaivém dos braços, pois continuam a oscilar demasiado).

Via ao longe o castelo e as muralhas…cada vez mais próximo…um pouco mais próximo…

Acelerei um pouco o ritmo. Comecei com passadas mais compridas (não muito, já que naturalmente são pequenas) e mais rápidas. Olhei para o relógio: tinham passado 75 minutos.

Com uma buzinadela, o carro que me haveria de “recolher” em Monsaraz, anuncia que chegou junto a mim. O castelo ainda estava um pouco distante, lá no alto.

- Quantos quilómetros fiz? – perguntei.

- Cerca de 12.

- Só? Vou continuar até à hora e meia.

Não consegui o meu objectivo. Corri 14,8 km em 1h 31m.

Para a próxima irei até ao fim.

 

Deste dia, ficou a satisfação de ter realizado um treino relativamente longo, em estrada, completamente sozinha. Não tive receio. Eu que me sinto sempre apreensiva quando me tenho que deslocar a pé em sítios pouco movimentados, superei, neste dia, esse medo natural. Senti-me segura e em comunhão com a natureza e os sons do campo.

Se foi positivo enquanto treino, foi ainda mais gratificante pela sensação de bem-estar físico, psicológico e emocional. Para mim, é assim que deveriam ser sempre os treinos, independentemente dos objectivos que os norteiam e do grau de consecução dos mesmos: fonte de prazer e estímulo para a vida e para a continuidade da actividade física. Afinal, não descobri nada de novo, pois “mente sã em corpo são” já era uma máxima para os romanos. Eu só sublinho a importância de que “mente” não deve ser entendido apenas na perspectiva racional, mas na dualidade razão/emoção.

Além de mais, eu sou sobretudo um ser emotivo! Ainda que nunca venha a ser sequer uma pequena atleta, serei sempre uma grande sonhadora.

Tenho uma vida preenchida de sonhos realizados e de risos e umas quantas páginas de sonhos desfeitos e de lágrimas… continuarei a “correr” por caminhos e percursos suaves que me conduzam a horizontes coloridos. Mas se tropeçar em pedras nos caminhos e as veredas se tornarem agrestes, não desistirei. Em frente, sempre em frente, pois lá adiante esperar-me-á uma senda mais tranquila e um vale verdejante. Eu sei. Eu acredito. Eu tenho esperança.

Desejava que a fé nascesse no coração de cada Homem, como o verde nasce nos campos.

 

Desejava que os meus pés voassem!!! Mas devo agradecer pelo facto de conseguirem andar.

A.P.


De forma deliciosa, revi-me nas tuas palavras. Por momentos voltei lá e estive a correr na estrada de Reguengos a Monsaraz. Não com saudosismo tristonho, mas sim como uma recordação boa, de momentos bons que vivi, comigo mesma, assim como tu estiveste quase durante hora e meia, sozinha, contigo.

Também nunca cheguei a Monsaraz. O castelo imponente ainda está por conquistar.

Ana Pereira
http://www.mariasemfrionemcasa.blogspot.com/
Ana Pereira a 5 de Fevereiro de 2007 às 22:47

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