A meio da manhã, chegámos à Praia da Mata (Costa de Caparica). Pensávamos que a maré estava vazia, favorável a uma corridinha na areia. Engano, mas nem por isso deixei de correr...
O pardacento do céu confundia-se com a quase ausência de cor do mar revolto; aqui e ali, manchas escuras reflectindo enormes castelos de nuvens cinzentas; as vagas quebravam-se numa rebentação violenta muito antes de alcançarem a areia. Um verdadeiro paraíso para os amantes do surf. Mais numerosos que as fugidias gaivotas ao pressentirem tempestade no mar, corpos negros e esguios desafiavam a crista das ondas em poses de equilíbrio gracioso, antes de serem vencidos e desaparecerem engolidos em espuma branca.
O areal é macio e virgem de pegadas. Continuamente lavada em golpes de água salgada, esta areia estende-se a perder de vista num horizonte difuso, talvez bem perto da Fonte da Telha.
Toda a praia, a vastidão desta praia é um apelo imperioso aos sentidos...irresistível...sensual.
Dunas sinuosas, como se mãos habilidosas as tivessem recortado, enfrentam a fúria da água, nas tempestades de Inverno. Mas no princípio do Outono permanecem a salvo das investidas do mar. Uma luta repetida cada ano: o poder do mar e a resistência das dunas. No meio, a esperança de que a areia sustenha o avanço do reino de Neptuno.
Avançando, também fui eu dando graças a Deus pela beleza que nos circunda.
Ao longo da linha de água, corri como as crianças fugindo das ondas. Em ziguezague, subia e descia ao ritmo do seu vaivém. Pouco corri em areia molhada e mesmo essa estava tão empapada que os pés se afundavam uns bons centímetros. Concentrei-me no som engraçado que a água fazia ao se infiltrar em bruraquinhos na areia. Semelhante ao engolir de uma garganta sedenta. De vez em quando, esmagava uma concha vazia.
A sensação da mais pura liberdade invadiu-me. E invadiu-me uma torrente de recordações. De quando a minha Margaret podia ver e sentir esta praia...
Fiz o retorno naquele que eu chamo o "último café da praia". Para além dele, é o isolamento completo. Mar e céu.
Quando pensava inverter o sentido da corrida, o ribombar de um trovão fez estremecer a areia. É um medo antigo e sempre novo. Tenho pavor de trovoadas. Embora tenha demorado menos tempo no regresso, a extensão corrida pareceu-me infindável. Por fim, lá avistei o Luís.
O desejo de voar da praia para longe era imenso, mas ainda tive coragem (como resitir?) a uma entrada no mar. Há que exorcizar os nossos medos e os fantasmas de infância. Depois, coberta de areia, voltei costas ao mar. Haverá outros dias e outras manhãs de Outono...o apelo do mar não se pode ignorar.
A imagem não é da Costa de Caparica, mas acho-a linda.
Tirei-a de: www.pescadesportiva-pt.net/.../