Parecia que sorria.
Engalanada, vestiu-se festiva para me receber. Agitava-se nas bandeiras ondulantes sobre o Zêzere.
"Chegaste"... pareceu sussurrar-me. E eu murmurei baixinho "cheguei". Voltei e foi como se fosse a primeira vez.
Olhei em redor. Creio que ninguém entendeu o que em silêncio, dizíamos uma à outra. Foi o encontro de duas almas, ansiando por esse dia...nesses momentos, o diálogo mais intenso e gritante acontece quando o olhar permite que o coração se revele.
A vila vive com alma. A alma tece poesia. E nasce a vila-poema...nas ruas, nas praças, nas janelas, nas fontes, em cada canto e recanto...
Na confluência dos rios, as ninfas desertoras do agitado reino de Neptuno, aqui encontraram refúgio e por cá permanecem em idílica união entre o sonho do poeta e a simplicidade das gentes...nós sentimo-las... dançando ao luar, encantando as margens, rodopiando nas sinuosidades do rio...
Aqui, a mitologia não é esquecida.
Aqui a astronomia ganha terreno.
Mais uma vez, se cruzam as fantásticas formas de entendimento do mundo e do universo com a visão rigorosa e precisa, nascida de séculos e séculos de observação e ciência. As constelações desceram à vila-poema e descansaram na Praça. Aqui, eram apregoados os régios editais em tempos idos e aqui em tempos de agora, se continua a sentir o pulsar desta terra viva.
Desci escadinhas...ruas estreitas...passei por este "céu nocturno" e encontrei-me frente ao Jardim Horto de Camões.
Reinava a azáfama que precede um grande acontecimento.
Aos olhares mais distraídos pareciam formigas laboriosas, correndo velozes, evitando um tropeção aqui e ali, em busca do rumo certo. Mas não....tudo e todos estavam onde queriam estar. Tinham um lugar certo e um propósito definido.
Decorriam as provas dos escalões mais jovens. Tinham começado manhã cedo.
Encontrei a minha equipa e juntos começámos o habitual período de aquecimento. Escolhemos a margem do Tejo e por aí fomos correndo e conversando...
Ia encontrando gente conhecida. Acenos de mão, sorrisos, algumas paragens para um beijo ou um abraço fraterno, àquelas que me são mais queridas...
Chegou a hora. Soou o tiro. Foi a primeira vez que fiz a correr aquele percurso verdejante, lavando os olhos no Zêzere... Tinha-lhe prometido que o faria e aqui estava a cumprir.
Senti-me nervosa...era como se aquela simples corrida requeresse a maior das precisões, como numa incisão...a mão não podia tremer...eu não podia falhar...bisturi na mão...gotas de suor gelado afloraram a pele. Apenas eu sabia a importância deste acto. Árdua tarefa, feita com amor...
Vivi toda uma vida ao longo dos minutos que se arrastaram...O tempo é tudo e o tempo nada é... É a força, a intensidade com que se vive. O corpo não acompanhou essa torrente. Eu voei...estive no passado e no futuro...no sonho e na vida...no presente e no agora...Parti muitas vezes, cheguei apenas uma.
Ficticiamente o cronómetro marcava 52´ 38´´...o meu tempo. O oficial não sei, não preciso saber. Esse tempo foi um tempo especial. Máquina nenhuma o poderá alterar.
Sou eu, Constância. Eis-me aqui.